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quinta-feira, 11 de maio de 2017

Quem são eles? - Segundo ato

SEGUNDO ATO

Sala de professores. Duas cadeiras, uma na frente e outra atrás de uma mesa retangular de madeira. Um desenho de uma coruja com capelo afixado na parede também atrás da mesa. Na sala há um homem sentado em uma cadeira atrás da mesa corrigindo provas, fazendo anotações. Sozinho. – É começo da tarde.

CENA I
Alberto (Sapo Cururu), Fernando

Fernando – (bate a porta) Posso entrar?
Alberto – Entre!
Alberto (surpreso, levanta da cadeira e fica parado olhando para Fernando) – Pessoa?
Fernando (rindo) – Quem mais poderia ser? Trump? O pato Donald? (ambos caem na risada, se abraçam).
Alberto – Que surpresa! O que te traz aqui? (indica a cadeira a sua frente) sente-se!
Fernando (um pouco constrangido se senta) – Aberto, me desculpe aparecer assim, sem avisar. Mas estava passando por aqui e nem tinha pensando em encontrar você, mas pensei: Se o Alberto estiver ai, vou trocar umas palavrinhas com ele.
Alberto – Que coincidência! Justo hoje que estou de janela. Ah, você deve saber o que seja janela. Tanto tempo nessa atmosfera escolar que já adoto, sem saber o motivo, os chavões profissionais.
Fernando (sorrindo) – Não se preocupe, ainda me lembro o que é uma janela, (pausa) aquele espaço de tempo sem aulas que o professor tem para fazer outras obrigações, não é isso?
Alberto (sorrindo) – Exatamente. (Fecha o livro de anotações e organiza os papéis sobre a mesa e volta a olhar Fernando) O que te traz aqui meu amigo, depois de tanto tempo?
Fernando (constrangido) – Novamente me desculpe se tiver ocupado, posso voltar outra hora.
Alberto – De maneira nenhuma, aqui já está, e como eu disse, estou de janela. (coloca os papeis dentro da gaveta e continua a olhar Fernando)
Fernando – Preciso ouvir gente viva, conversar com gente viva!
Alberto (cauteloso) Que papo é esse Pessoa? Você está bem?
Fernando (olhando para a parede atrás de Alberto, vê um desenho de um sapo com um chapéu de professor e embaixo uma legenda: Sapo Cururu) – Sapo Cururu?
Alberto (surpreendido) O quê? (em seguida olha para trás e vê também o desenho afixado na parede)
Fernando – (sorrindo) O mesmo apelido que demos a você na época da faculdade, o que esse desenho faz ai?
Alberto (sorrindo) – Ah, foram os meus alunos. Contei a eles uma história da faculdade quando preparava a leitura do livro do Jorge Amado...
Fernando (interrompe) O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá?
Alberto – Exatamente. Contei a eles que Sapo Cururu era o meu apelido na faculdade, pois eu tinha o plano de me tornar crítico literário, (voz mais alta) “doutor em filosofia, catedrático de Linguística”, lembra-se dessa frase? (gargalhando).
Fernando – (rindo) Como haveria de esquecer? A Estrela sempre dizia isso. Eu imagino os outros ouvindo as nossas conversas, com as nossas cismas de chamarmos por apelidos estranhos. Um mundo que era tão restrito e comum a nós.
Alberto – Pois bem, contei aos adolescentes uma parte da história e me apelidaram de Sapo Cururu. É tão estranho ouvir outras vozes pronunciando esse apelido que me fora tão caro e ainda me traz recordações tão felizes. Mas bem, não foi para lembrar o passado que você veio aqui, foi?
Fernando – (sem jeito) Mais ou menos. Não sei muito bem por onde começar, mas gostaria de saber se você tem falado com a Estrela, o Pantanal ou com o Leitão?
Alberto (confuso) – Não. Faz tempo que não os vejo e tampouco falo com eles, a minha rotina é tão atribulada que nem tenho tempo de abrir o Facebook.
Fernando (ansioso) - Não estou perguntando se você fala com eles pelas redes sociais, pergunto se tem falado com eles por telefone, cartas ou pessoalmente.
Alberto (confuso) – Não. Você tem?
Fernando (envergonhado) – Também não. (pausa) por telefone não.
Alberto (confuso) – Não estou entendendo, Pessoa!
Fernando – Depois que você passou no concurso e veio para cá, eu continuei na universidade, acreditava em tantas coisas, mas meu pai morreu, minha mãe se apaixonou novamente e foi morar no campo, minha irmã se separou do seu marido e mudou de cidade. Bom... (pausa) muitas coisas aconteceram. Estou aqui há três semanas e a cidade parece pacata, aluguei um quarto próximo ao centro e tenho procurado emprego, enviado currículos. Tenho escrito para eles, há algum tempo e eles têm me respondido...
Alberto (interrompe subitamente e surpreso) – Sério? Que maravilha! Podemos marcar um jantar, quem sabe? Em casa, não sei, talvez...
Fernando (sem jeito) Sim, claro! (mudando de assunto) Como está a sua vida? Deve ser um pouco difícil ser professor hoje em dia.
Alberto (suspira) – Não é fácil, mas também não vou ficar enchendo você com os problemas burocráticos e os infortúnios diários. Deve se imaginar, estrutura precária, baixo salários, mas eu gosto de ser professor de literatura e como escreveu o Jorge Amado: “Temos olhos de ver e olhos de não ver, depende do estado do coração de cada um”. Portanto há dias que vejo diferente e outros que me proponho a imaginar.
Fernando (apressado) – Certo... Bom (fala pausadamente) Sapo Cururu (sorrindo) foi ótimo ter tido essa oportunidade de reencontrá-lo, mas imagino que você tenha muitas obrigações e eu tenho que voltar ao meu quartinho, amanhã tenho uma entrevista.
Alberto (surpreso) – Mas já? Você acabou de chegar, eu tenho tempo, aulas agora só amanhã.
Fernando (inquieto) – Realmente eu preciso ir. Como agora eu sei que você aqui está sempre, combinemos outro dia e tomamos um café, assim eu conto como estão os outros.
Alberto (conformado) – Entendido. Foi um prazer rever você, volte mesmo e boa sorte na entrevista, de que mesmo?
Fernando (cabisbaixo) – Contador de histórias.
Alberto (surpreso) – Contador de histórias? (percebendo a cara de insatisfação, muda o tom) Bom... Boa sorte meu amigo. Por favor, se precisar de algo, sabe onde me encontrar, venha sem pensar. (Busca uma caneta e um papel dentro da gaveta) Pessoa, me passa seu número de celular para eu ligar a você mais tarde.
Fernando (ansioso) – Não tenho celular ainda, mas quando eu comprar um novo eu passo sim. Venho à próxima semana, no horário da sua janela, tudo bem?
Alberto (respeitoso) – Ah, claro. Sem problemas. Até logo então. (se abraçam)
Fernando – Até (sai pela porta e a fecha).