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sábado, 8 de dezembro de 2012

O Segredo de Janaína

                 

Ela era morena, esbelta e triste. Seus cabelos compridos, estendidos até a cintura, sempre soltos e tocados pelo vento, arrebatavam as miradas dos jovens atentos e dos adultos inconformados. Ela era envolvida por seu segredo que guardava com tanta obstinação. Seus passos registravam na areia pegadas leves e sem cessar eram apagados pela cheia das marés. Ninguém entendia o seu caminho cotidiano em frente ao mar, no cais. Nunca tive coragem de perguntá-la sobre o que ela tanto buscava, tampouco supri a minha curiosidade de entender a razão de, todas as tardes, seu contemplar do entardecer. Todos queriam saber o segredo dela, embora todos tinham claro que nunca ela deixara a sua voz ser ouvida. Eu arrisquei...

“Despedi-me com lágrimas no rosto, olhei nos olhos dele e percebi o seu afastamento contido e, aos poucos, o barco deixou a orla da praia”, contou-me ela. “Acenei com a mão direita, e ao passo que ia me distanciando acenei com a esquerda. A partir daquele crescente sentimento de solidão que me invadia, acenei freneticamente com ambas as mãos, com a vontade de dizer para que ele permanecesse. Naquele dia, eu usava este vestido, agora velho e gasto. Mantenho até hoje o comprimento do meu cabelo e o espero aqui, para que se cumpra a sua promessa de regresso. E, se ele voltar, que não tenha dúvidas de que aqui estou e estive esperando todo esse tempo, sozinha. Caminhei pelas areias para que o tempo se compadecesse de mim e ouvi as pessoas dizerem que a louca do cais nunca se separaria desse mar. Muitas tardes eu conheci, das lindas às temerosas, das esperançosas às inconformadas. Juntei o tempo, mensurei as lágrimas e sempre me fortaleci com as esperanças. Hoje, a ilusão e a tristeza já não me afetam mais, o entardecer se tornou uma energia necessária, esqueci-me da face dele e do jeito que ele me olhava, das palavras doces que me dizia”.

- Hoje - disse-me - tenho fios de prata na cabeça e ainda não o tenho, pois acredito que já se esquecera de mim. Já não me importa o julgamento de alheios e vivo de uma maneira que consigo identificar na natureza a paz que eu precisava. Ainda que eu permaneça nesse cais, aqui é o meu lugar, aqui eu ficarei até o fim dos meus dias.

E, depois daquela confissão, eu a entendi e passei a admirá-la, por sua convicção e amor. Mudei as minhas ideias pré-concebidas de partir de uma opnião sem refletir, apenas baseado em boatos alheios.

Mesmo que essa seja apenas uma lembrança, acredito que ela ainda estaria ali por entre aquelas águas, caminhando até o cais e admirando aqueles belos fins de tardes, se fosse imortal. Seu nome era Janaína, sua voz era doce e seu comportamento era consciente. Ela era livre e determinada, não importava qual fosse seu obstáculo, ela cumpriu seu destino.

E depois desse tempo, ao chegar ao cais me lembro daquele dia, o dia que a coragem me tocou e eu fui conhecê-la. Soube de sua história e de suas frustrações, seu desejo e seu fim. E sempre quando escuto “En el muelle de San Blás” é impossível não me lembrar daquela mulher que guardou o seu segredo, rompeu milhares de tardes, e permaneceu sozinha até o fim.

“Sola, sola en el olvido
Sola, sola con su espíritu
Sola, sola con su amor en mar
Sola en el muelle de San Blas
Se quedó ahí
Se quedó hasta el fin
Se quedó ahí
Se quedó en el muelle de San Blas
Sola, sola, se quedó” - En El Muelle De San Blas - Maná