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domingo, 6 de janeiro de 2013

O Paraíso dos Meninos


Foi em uma tarde de segunda-feira, depois do almoço, estava eu correndo à beira da estrada procurando a mangueira que recheada de mangas amarelas me convidava a escalá-la, eu conheci a amizade. O chão parecia um tapete de retalhos, misturado com capim verde, pedras sujas de terra e folhas secas. O vento era veloz, anunciava uma tempestade iminente, roçava meus cabelos curtos e me fazia cócegas. Ali, as tardes eram rápidas, pois a felicidade não tinha figura, era abstrata e presente.
Quase sempre depois da escola, deixava minha mochila na cama, tirava o uniforme e encontrava com você, debaixo daquela mangueira que chamávamos de castelo de Bodiam, só porque estudávamos, naquele ano, tais curiosidades infantis. Tínhamos uma casa na árvore, estilingues usuais e os de reserva, facas de serra para cortar folhas e um balanço com um pneu enorme de caminhão.
Nessa época eu não sabia o que era trabalho – a não ser os da escola – não imaginava como alguém poderia ficar nervoso por ter tantos compromissos e não saber recusá-los. Não conhecia a palavra responsabilidade, essa condição que os adultos devem ter de arcar com o próprio comportamento, errávamos, chorávamos, pedíamos desculpa e íamos dormir. No outro dia, tudo estava bem.
Não me lembro exatamente como foi, como aconteceu, se foi algo repentino ou gradual, mas acredito que foi ali que conheci a amizade. E é esse sentimento que me impulsiona a escrevê-lo, independentemente de saber se você lerá ou não. Eu tenho que manifestar essa saudade que me invade quando vou ao mercado e tenho nas góndolas mangas maduras, quando me sento na varanda e aquele vento me traz a lembrança daquelas tardes memoráveis.
Hoje estou aposentado e vejo meus filhos em duas ocasiões anuais: no Natal e na última semana do ano para entregar a declaração de imposto de renda. A vida por aqui não é nada má, porém, já perdi aquela energia que tínhamos ao nos lançar do tronco do castelo de Bodiam ao chão, para mensurar a nossa capacidade de heróis, de ser ágeis e fortes.
Sinto falta de conversar com você, de brigar por ideais idiotas e fazer as pazes com nosso dedo mindinho. Soube que sua saúde está debilitada e que o vento não pode tocá-lo com tanta agilidade, por estar frágil, alguns cuidados são necessários, porém soube também que a sua coragem permanece a mesma e o brilho dos seus olhos ilumina a esperança da sua esposa.
Meu amigo, escrevo a você com o desejo de que melhore, porém, se assim não for possível, desejo que se lembre da nossa amizade, que embora distante, permanece viva dentro dos nossos corações. Que a paz o acompanhe e que você sinta-se feliz.
Foi por meio de você que esse sentimento brotou dentro de mim. A amizade é fruto da compreensão, da capacidade de entender as falhas, as ideias contraditórias, as diferenças. Amigos são imperfeitos, pois como disse Fernando Pessoa: “O perfeito é desumano, pois o humano é imperfeito”.
E quando chegar a nossa hora, saberei refletir como um velho sábio e dizer adeus como uma criança alegre que já esteve no paraíso, aquele em que sorríamos e brincávamos: o paraíso dos meninos.