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sexta-feira, 14 de julho de 2017

Comportamento

Não quero saber como as coisas se comportam.
Quero inventar comportamento para as coisas.
Li uma vez que a tarefa mais lídima da poesia é a 
de equivocar o sentido das palavras
Não havendo nenhum descomportamento nisso
senão que alguma experiência linguística.
Noto que às vezes sou desvirtuado a pássaros, que
sou desvirtuado em árvores, que sou desvirtuado 
para pedras.
Mas que essa mudança de comportamento genial
para animal vegetal ou pedral
É apenas um descomportamento semântico.
Se eu digo que grota é uma palavra apropriada para 
ventar nas pedras, 
Apenas faço o desvio da finalidade da grota que
não é a de ventar nas pedras.
Se digo que os passarinhos faziam paisagens na
minha infância,
É apenas um desvio das tarefas dos passarinhos que
não é a de fazer paisagens.
Mas isso é apenas um descompostamente linguístico que
não ofende a natureza dos passarinhos nem das grotas.
Mudo apenas os verbos e às vezes nem mudo.
Mudo os substantivos e às vezes nem mudo.
Se digo ainda que é mais feliz quem descobre o que não
presta do que quem descobre ouro - 
Penso que ainda assim não serei atingido pela bobagem,
Apenas eu não tenho polimentos de ancião.


(Poesia completa de Manoel de Barros, pág. 376 e 377).

Sobre Importâncias

Uma rã se achava importante
Porque o rio passava nas suas margens.
O rio não teria grande importância para a rã
Porque era o rio que estava ao pé dela.
Pois pois.
Para um artista aquele ramo de luz sobre uma lata
desterrada no canto de uma rua, talvez para um 
fotógrafo, aquele pingo de sol na lata seja mais
importante do que o esplendor do sol nos oceanos.
Pois Pois.
Em Roma, o que mais me chamou atenção foi um
prédio que ficava em frente das pombas.
O prédio era de estilo bizantino do século IX.
Colosso!
Mas eu achei as pombas mais importantes do que o
prédio.
Agora, hoje, eu vi um sabiá pousado na Cordilheira 
dos Andes.
Achei o sabiá mais importante do que a Cordilheira
dos Andes.
O pessoal falou: seu olhar é distorcido.
Eu, por certo, não saberei medir a importância das
coisas: alguém sabe?
Eu só queria construir nadeiras para botar nas
minhas palavras.


(Poesia completa de Manoel de Barros, pág. 388 e 389)

A Disfunção

Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso de
a menos

Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso
trocado do que a menos.
A troca dos parafusos provoca nos poetas uma certa
disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfunção lírica.
1 – Aceitação da inércia para dar movimento às
palavras.
2 – Vocação para explorar os mistérios irracionais.
3 – Percepção das contiguidades anômalas entre
verbos e substantivos.
4 – Gostar de fazer casamentos incestuosos entre
palavras.
5 – Amor por seres desimportantes tanto como pelas
coisas desimportantes.
6 – Mania de dar formato de canto às asperezas de
uma pedra.
7 – Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais
Importância aos passarinhos do que aos senadores.
 
(Poesia completa de Manoel de Barros, pág. 381 e 382)