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domingo, 14 de outubro de 2018

Um pequena confusão noturna



Escrevo daqui, sentado na minha cadeira vermelha, de espuma antiga comprada em uma loja de móveis usados, em uma noite de primavera quente. Tenho a minha frente uma janela grande, de vidros fechados. Nesse quarto há duas portas, em uma delas existe uma pequena portinha interrompida por grades cinzas. Há também uma pequena estante com livros que ainda não li todos, um abajur de luz aconchegante, um tapete vermelho retângulo que me impede de sentir o frio do porcelanato, manchado pela tinta da última pintura.

Sobre a mesa há uma garrafa de plástico com água morna, um vasinho de cerâmica branco, em forma de regador, que acolhe as suculentas leguminosas que resistem. Há também livros, cadernos, um porta-retratos com a foto dos meus pais, de quando ela acariciava os cabelos brancos dele e sorria, na frente de uma porta azul de madeira carcomida pelo tempo.

No chão, ao lado da mesa, uma mochila preta vazia, exceto por um bolsinho na frente carregado por um cortador de unha, uma lanterna azul pequena e um pen drive. São quase duas da manhã, ainda faz calor aqui dentro. Escrevo essas linhas mal acabadas que satisfazem o meu desenho de escrever algo, assim de impulso.

A luz do abajur está acesa e confere ao quarto uma atmosfera mágica. Era meu sonho ter um quarto assim. Com uma janela ampla, uma mesa de estudo bem espaçosa, tempo para ler meus livros, para escrever minhas coisas. Uma plantinha compartindo espaço com porta-retratos e tarefas acadêmicas. 

Há também um espelho retangular de moldura branca na parede, um guarda-roupas de duas portas com três gavetas na cor marrom.

A gatinha preta com patinhas brancas está no chão da sala, bem confortável e refrescante. Ela solta pelos quando meus dedos terminam de acariciá-la. Ela mia para pedir comida e carinho, suspeito que também se sente sozinha às vezes.

No quintal há um pé de jabuticaba, as frutinhas estão mudando de cor, do verde para o preto, as folhas são tão admiráveis, verdes e pequeninas. A árvore é tão bondosa, ela tem tantas folhas e faz uma sombra tão prazerosa. Gosto de ficar ali quando há sol, sentado no murinho de tijolos rebocado de uma carente camada de cimento.

Tenho uma caneca verde com folhas secas de patchouli, as ganhei da minha irmã, uso uma essência de bambu nelas, o quarto fica tão perfumado se mantenho a janela, a porta e a portinhola da porta fechada. Gosto desse cheiro.

São noites como essas que espero o sono chegar, mas ele se atrasa e não avisa quando vai chegar, começo a pensar sobre o que estou fazendo, a não ser tentar convencer a mim mesmo que estou no caminho certo, traçando o meu propósito de vida. Às vezes sinto que nada é real, pois pareço um ator encenando a minha própria vida. É comum me perguntar se presto para algo, se sou bom em fazer alguém se sentir bem, se consigo fazer um bom café, se consigo abraçar ou dizer palavras adequadas, para qualquer situação.

Os pequenos bichinhos dançam na cúpula do abajur, estão brincando com a luz e suspeito que também detestam o calor, ficam impacientes. A mesinha em que o abajur fica em cima é tão bonitinha. Achei-a no quintal, estava abandonada. Limpei-a, passei um polilflor lavanda nela, ficou tão nova e é agora a minha companheira noturna. Tão taciturna, não reclama do São Bernardo em cima, nem do meu celular.

A caixinha de pedras brancas que ganhei está aos cacos, a última aventura que o Jean Pierre presenteou a caixinha foi tão violenta que poucas pedras restaram em sua tampa. Mas dos lados ainda há muitas, ninguém a percebe, tão modesta e tímida que enclausurada em seu cantinho nada a nota.

Tenho tantos pensamentos desordenados aqui, é um vai e volta, um não sei o que de ideias e pensamentos e vontades e tensões. Está calor, é madrugada e não consigo dormir.