Escrevo daqui, sentado na minha cadeira vermelha, de espuma antiga
comprada em uma loja de móveis usados, em uma noite de primavera quente. Tenho
a minha frente uma janela grande, de vidros fechados. Nesse quarto há duas
portas, em uma delas existe uma pequena portinha interrompida por grades cinzas. Há também
uma pequena estante com livros que ainda não li todos, um abajur de luz
aconchegante, um tapete vermelho retângulo que me impede de sentir o frio do
porcelanato, manchado pela tinta da última pintura.
Sobre a mesa há uma garrafa de plástico com água morna, um vasinho de
cerâmica branco, em forma de regador, que acolhe as suculentas leguminosas que
resistem. Há também livros, cadernos, um porta-retratos com a foto dos meus
pais, de quando ela acariciava os cabelos brancos dele e sorria, na frente de
uma porta azul de madeira carcomida pelo tempo.
No chão, ao lado da mesa, uma mochila preta vazia, exceto por um bolsinho
na frente carregado por um cortador de unha, uma lanterna azul pequena e um
pen drive. São quase duas da manhã, ainda faz calor aqui dentro. Escrevo essas
linhas mal acabadas que satisfazem o meu desenho de escrever algo, assim de
impulso.
A luz do abajur está acesa e confere ao quarto uma atmosfera mágica. Era
meu sonho ter um quarto assim. Com uma janela ampla, uma mesa de estudo bem
espaçosa, tempo para ler meus livros, para escrever minhas coisas. Uma
plantinha compartindo espaço com porta-retratos e tarefas acadêmicas.
Há também
um espelho retangular de moldura branca na parede, um guarda-roupas de duas
portas com três gavetas na cor marrom.
A gatinha preta com patinhas brancas está no chão da sala, bem
confortável e refrescante. Ela solta pelos quando meus dedos terminam de acariciá-la.
Ela mia para pedir comida e carinho, suspeito que também se sente sozinha às
vezes.
No quintal há um pé de jabuticaba, as frutinhas estão mudando de cor, do
verde para o preto, as folhas são tão admiráveis, verdes e pequeninas. A árvore
é tão bondosa, ela tem tantas folhas e faz uma sombra tão prazerosa. Gosto de
ficar ali quando há sol, sentado no murinho de tijolos rebocado de uma carente
camada de cimento.
Tenho uma caneca verde com folhas secas de patchouli, as ganhei da minha
irmã, uso uma essência de bambu nelas, o quarto fica tão perfumado se mantenho
a janela, a porta e a portinhola da porta fechada. Gosto desse cheiro.
São noites como essas que espero o sono chegar, mas ele se atrasa e não
avisa quando vai chegar, começo a pensar sobre o que estou fazendo, a não ser
tentar convencer a mim mesmo que estou no caminho certo, traçando o meu
propósito de vida. Às vezes sinto que nada é real, pois pareço um ator
encenando a minha própria vida. É comum me perguntar se presto para algo, se
sou bom em fazer alguém se sentir bem, se consigo fazer um bom café, se consigo
abraçar ou dizer palavras adequadas, para qualquer situação.
Os pequenos bichinhos dançam na cúpula do abajur, estão brincando com a
luz e suspeito que também detestam o calor, ficam impacientes. A mesinha em que
o abajur fica em cima é tão bonitinha. Achei-a no quintal, estava abandonada.
Limpei-a, passei um polilflor lavanda nela, ficou tão nova e é agora a minha
companheira noturna. Tão taciturna, não reclama do São Bernardo em cima, nem do
meu celular.
A caixinha de pedras brancas que ganhei está aos cacos, a última
aventura que o Jean Pierre presenteou a caixinha foi tão violenta que poucas
pedras restaram em sua tampa. Mas dos lados ainda há muitas, ninguém a percebe,
tão modesta e tímida que enclausurada em seu cantinho nada a nota.
Tenho tantos pensamentos desordenados aqui, é um vai e volta, um não sei
o que de ideias e pensamentos e vontades e tensões. Está calor, é madrugada e
não consigo dormir.
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