Nasci em meio a uma
família conturbada. Tínhamos dificuldades financeiras, enquanto meu pai
trabalhava na Ferrovia Paulista S/A, como garçom, minha mãe cuidava da casa
alugada em que vivíamos em Uberaba. Os recursos eram escassos, assim como a
comida, as roupas, o material escolar, o uniforme. Entrei no pré-primário no
ano de 1991, pela insistência de minha mãe. Ela queria que eu fosse direto ao
primeiro ano, pois já sabia ler, mas ainda não tinha 7 anos. Fiz o pré e no ano
seguinte, a diretora me aceitou na primeira série do ensino fundamental.
São muito fragmentadas
essas memórias tão longínquas. Acredito que a minha mãe me ensinava algumas
palavras em casa. Lembro de ela comprar um caderno brochura de folhas amarelas
para eu repassar todo o conteúdo do caderno velho ao novo. Ela dizia que a
minha letra estava ilegível e que assim não poderia continuar. Lembro também
dela começar a copiar o conteúdo do caderno velho ao novo, em uma atitude
exemplar, e constantemente pontuar o desleixo da minha inaptidão com a escrita.
Ela dizia: “Veja, é assim que se faz. Agora você irá continuar”. Acredito que
devido a essa atitude e várias outras semelhantes de minha mãe fizeram com que
a minha caligrafia se desenvolvesse a ponto de ouvir elogios das professoras e
algumas delas adjetivarem de letra de menina. “Superei o obstáculo com a
escrita”.
Foi na sexta série, em
1998, que tive a primeira experiência significativa com a leitura. Antes disso,
apenas ouvia as histórias bíblicas que a minha avó nos contava, a mim e aos meus
primos, e é difícil me lembrar de outras experiências de leitura no passado. No
sexto ano, a professora Juliana era uma mulher magra, de cabelos loiros e
soltos, de rosto fino e alegre. Ela usava jeans e camiseta, trazia consigo
sempre o diário de classe azul e alguns livros. Era uma professora que
conseguia fazer com que uma classe com mais de 30 crianças ficasse em silêncio
para ouvir a sua história, todo o final de aula.
O que mais me chama
atenção nessas memórias é o que permanece. Não é possível me lembrar das suas
aulas de gramática ou interpretação de texto. Não sou capaz de dizer como ela
nos dava as famosas orações subordinadas ou explicava os fenômenos
linguísticos, só me lembro dela ler para todos nós.
No silêncio daquelas
tardes, em que eu e meus colegas, ficávamos ouvindo sua voz passear
tranquilamente por aquela sala e chegar aos nossos ouvidos. A sua maneira de
iniciar um novo livro era mágica e instigante. O seu tom de voz era pausado,
ela esperava pelas nossas feições, espreitava as nossas reações, e por fim, nos
mostrava a capa do livro e fazia um breve resumo da história.
Uma dessas histórias,
contadas nos minutos finais de cada aula de língua portuguesa, foi “O gênio do
Crime” de João Carlos Marinho. A professora tinha uma maneira de contar aquela
história que eu nunca tinha ouvido em nenhum lugar. As vozes das personagens, a
entonação, as pausas, nos retiravam daquele ambiente, parecia que estávamos
todos dentro da história. Ela não nos fazia perguntas, não cobrava para a
prova, não pedia resumo nem perguntava o que havíamos entendido, apenas lia.
Dessa história, uma das personagens que mais me marcou foi o Mister John, um
detetive escocês. Não pelo seu carisma ou pela sua relevância durante a
narrativa, mas pelo jeito com que a professora mudava a voz ao ler suas
falas. Era tão diferente, bonito. Eu me perguntava como a professora lia
daquela maneira, como ela conseguia.
A história era
estimulante, era um crime que ia sendo desvendado por crianças como eu. Os
protagonistas eram inteligentes, claro! Mas também faziam travessuras, cometiam
erros e aquela história marcou a minha vida. Anos mais tarde retornei às
páginas do texto do João Carlos Marinho e encontrei ali um abraço, uma
revigorante sensação de carinho e de lembrança. Fiz uma leitura compartilhada
com o meu sobrinho tentando fazer a mesma voz do Mister John, fracassei! Pois
tentei recuperar aquela lembrança tão amável que era impossível imitar. Resolvi
então deixar que o meu sobrinho lesse e foi divertido, gargalhamos juntos,
contei a ele que anos antes a minha professora tinha lido essa história na
escola e que naquele tempo ela fazia o melhor Mister John que eu já ouvira.
“Superei o obstáculo com a leitura”.
No ensino médio comecei
a escrever alguns rascunhos, dava para alguns colegas ler. Naquela época a
professora pedia redação e o gênero que eu mais gostava era cartas. Não sei
dizer, mas as cartas têm uma maneira atenciosa e informativa de apresentar seu
conteúdo. Escrevia também histórias breves, gostava de muito de descrições,
nomes diferentes. Todos esses textos se perderam, mas não a minha capacidade de
recordar deles.
Mais tarde, criei um
blog em que escrevia sobre desilusão amorosa. A primeira leitora desses textos
era a minha irmã, depois alguns de meus amigos. A minha irmã dizia que era
lindo e eu concordava, em uma contemplação juvenil e romântica achava que por
meio das palavras conseguia materializar toda aquela insatisfação idealista de
pesarosa dor das relações efêmeras dos apaixonados precoces.
Hoje, não mais escrevo
como antes, as obrigações de leitura e de escrita são mais acadêmicas e
profissionais. Percebi que ler e escrever é um hábito e é necessário cultivá-lo
para melhorar. Não tenho mais uma ideia romântica de “dom” da escrita e nem
acredito mais que a leitura é uma característica dos cultos. O que imagino
saber é que com cuidado, atenção e orientação todos podemos ler e escrever,
cada um no seu estágio rumo a um desenvolvimento particular e significativo.