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sábado, 31 de maio de 2025

Chá de jamaica

Hoje, enquanto a água começa a ferver e o aroma do hibisco sobe pela cozinha, volto para Quito. Volto para dezembro, para os dias frios e úmidos, para a mesa grande ao lado da janela.

Fui ao Equador para as festas de fim de ano. Estava animado por conhecer a família do Jordy — e também por estar num país de vulcões, céu azul recortado de montanhas, cheiro de fruta e café. Logo no começo, tudo me pareceu estranho e familiar ao mesmo tempo. Os pais, as tias e os tios, as primas — a família toda — me receberam como se já me conhecessem. Era fácil estar ali. Os hábitos se pareciam com os meus: cozinhar e conversar, rir enquanto se descasca algo, ouvir música entre o barulho de talheres e panelas.

A cozinha sempre foi um lugar especial para mim — e ali também parecia ser o coração da casa. Carmen, tia do Jordy, brincava com doçura diante do fogão. Preparava pratos com uma alegria tão espontânea que era impossível não sorrir junto. Ao lado dela, Vicky fazia bolachinhas e bolos de Natal. Eu ficava mais de lado, com um pouco de vergonha, mas atento. Às vezes ajudava, às vezes só olhava e ouvia.

A mãe do Jordy parecia um sol. Conduzia tudo com uma leveza firme, como quem organiza sem impor, como quem cuida sem alarde. Comecei a chamá-la de TAMARindo, assim, de carinho. Escrevendo assim parece literário demais, mas é um pouco. Afinal, é uma memória vivida, porém construída aqui, a dedilhadas no teclado do meu computador, enquanto a roupa está sendo lavada na máquina e espero a coxa de frango assar com legumes no forno.

Voltando. Passeamos de carro, conheci o bairro, fomos ao mercadinho, ao shopping e a um café, o Juan Valdez — uma marca colombiana que eu já conhecia e gosto muito. As ruas do bairro não são tão diferentes das daqui. No mercado, no shopping e também no café, há pessoas correndo, fazendo suas obrigações dezembrinas; há crianças que falam rápido e gritos de mães. Há cachorros nas ruas, gente nas bancas de frutas barganhando preços, muvucas natalinas e filas gigantescas no caixa. Quando voltávamos para casa, Carmencita estava na cozinha. Descarregávamos as compras, e eu ia até lá, ao lado dela, contar como foi o passeio — o que vi, o que achei interessante, as músicas que ouvimos no carro. Depois de algum tempo, eu já sabia de cor a playlist da TAMARindo.

Ali, o som das risadas na cozinha me fazia feliz. Indicava que a felicidade é invisível mesmo, mas, assim como o vento, é sentida por todos nós. Era como uma cócega prazerosa entre a barriga e o coração. Agora, relembro e penso: essa é uma memória rápida, uma passagem breve, um texto curto para tornar perene uma lembrança fugaz.

Naquele dia, o almoço ficou pronto, e todos se sentaram em seus lugares. Eu ajudei a arrumar a mesa — de madeira escura, imensa, posicionada ao lado de uma janela de vidro, onde a luz entrava devagarzinho. Lá, no balcão da cozinha, estava uma jarra grande de um líquido roxo. Carmencita trouxe a bebida para a mesa: chá de Jamaica. Um chá gelado, levemente azedinho. Bebi devagar, curioso. E gostei. Gostei tanto que comentei como era raro, para mim, tomar chá gelado com a comida. Aqui no Brasil, isso não é costume. Mas naquela casa, naquele momento, tudo fazia sentido.

E hoje, ao fazer o chá de hibisco para tomar no jantar, sinto um Quito aqui dentro. Volto ao riso, às vozes, ao sol fraco batendo no vidro. Les extraño a todos.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Uma ansiedade sentida

Fui nascendo em você. Descobrindo lugares desconhecidos que passaram a se tornar comuns. A minha retina foi percebendo e se assustando, mas aos poucos fui me redescobrindo. Abri portinhas dentro de mim que pensava seladas. Elas estavam à espreita para serem empurradas, não estavam cerradas.

Quando estive ao seu lado, não conseguia perceber que a vida também passava sobre mim, o ar, o sol, a sombra estavam ali, mas você exercia um poder de atração tão pleno que o tempo se suspendia e eu somente mirava seus olhos fixos, seu cabelo preto, o seu sorriso largo.

Concordei em embarcar nessa aventura, essa que covardemente hesitei por algumas poucas vezes que me deram a oportunidade. Não sei explicar o motivo da minha coragem insensata, sabia que poderia cutucar as feridinhas do meu coração e talvez, novamente, elas pudessem sangrar.

Hoje me deparo novamente com aqueles sentimentos adormecidos e os desperto. Custa admitir que sinto e que me emociono. As árvores da rua que me acolhem com suas grandes folhas, seus grandes galhos, sua sombra fresca, seu manto acolhedor é hoje mais verde, mais feliz. Converso com elas, falo sobre a beleza da vida que pulsa dentro de mim por estar com você no pensamento.

Parece piegas demais concluir e afirmar tudo isso, mas não estaria eu sendo esse humano bobo e recheado de ilusão se não admitisse essas obviedades. Estou vivo, tremo, tenho medo e tenho vontade. Sinto, adormeço, velo e volto a adormecer.

Eu sou aquilo que sinto e não aquilo que aparento. Sinto a alegria, a tristeza, a vida, a intempérie, a ilusão, os planos. Sinto a ansiedade, o medo, a insegurança, a inércia, o cansaço. Aparento o equilíbrio, a sensatez, a palavra pausada. Entre o ser e o parecer vivo os dias úteis e os finais de semana como se fosse uma batalha diária. Gaguejo, recuo, cansado fico, exausto atuo.

Para o dia, me reservo o sol entre as nuvens e quem sabe uma chuvinha antes do entardecer. Para a noite, gostaria de estar entre seus braços morninhos e sentindo sua respiração bem acima da minha cabeça enquanto minhas orelhas aquecem sobre seu peito nu.

Porém, como a presença não é uma possibilidade exercito a imaginação e idealizo esse reencontro. Para o futuro espero, para o presente vivo.

Um beijinho e um par de abraços!

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

La pandemia sigue igual, matando los probres

 Hace casi un año que no vengo acá, pero hoy me dio la gana.

Sabes, la vida ha cambiado mucho desde entonces, por aquí todavía sigo el mismo, aunque me faltan algunos pelos en la cabeza, especialmente en la frente, ya tengo una frente amplia. Creo que esto hace parte del envejecer.

Estoy estudiando literatura, específicamente el siglo XVII español, pero leo cositas pocas del siglo XV y XVI. Para ti, que no estás acostumbrado con estas fechas, le digo que leo cosas de caballeros, amores imposibles, sobre justicia, amistades, honra, costumbres. Además, la percepción de esta literatura es distinta para nosotros, que vinimos después de los románticos. En esta época, antes del final del siglo XVIII y comienzo del XIX, la literatura se miraba con otros ojos, o sea, no tenía esta cosa de la ilusión de originalidad, de sentimiento del autor, pues muchos de ellos eran anónimos. Bueno, lo que quiero decir es que me está gustando aprender cosas que todavía no iba a ver si no estuviera aquí.

La pandemia sigue igual, matando los pobres y los que no pueden estar seguros en casa. El país va de mal a peor. Muchos cambios han ocurrido. Tenemos más hambre por las calles, personas sin dinero, sin empleo, mucha vulnerabilidad de la gente. Aún no he tomado la segunda dosis de la vacuna, ojalá que pronto la venga, ya la tengo listada para la segunda semana de septiembre.

Estoy viviendo en São Paulo, en la universidad y todavía no tengo arreglada mi rutina. Estoy como un niño, aprovechando todo a poquito. Descubriendo los caminos y mirando el día, calentando en el sol, sintiendo el frescor que la lluvia trae y acogiendo el día gris que pasa a cualquier uno.

Hoy terminé una lectura interesante, creo que te vas a gustar. Es una novela sentimental con característica epistolar. Se llama Cárcel de amor, quien la escribió fue Diego de San Pedro, puedes encontrarla fácilmente por internet, si quieres, en la RAE o en el sitio de Cervantes Virtual. También vi una película argentina de 2016, muy buena, llamada El ciudadano ilustre. Se habla de literatura, es sobre un escritor y sus hechos. Divertida, dramática, inteligente.

Bueno, no tengo mucho que escribir. Quisiera solamente venir y decirte algo. Aquí sigo, con pequeños fragmentos de mi vida. A partir de una perspectiva muy peculiar y recortada voy dándote algunos rasgos de una historia que todavía estoy escribiendo.

Saluditos, espero que no vemos pronto. Espero también que vuelva más por aquí.

Un abrazo y cuídate, no olvides de cuidarse.

Hasta pronto.

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

De quando eu lia em voz alta

Fui convidado a servir um jovem senhor. As minhas obrigações se limitavam a ler para ele e ajudá-lo a se locomover em sua casa, algumas vezes seria possível que saíssemos dela, mas isso não foi combinado quando recebi o convite.

Não vou descrever aqui como era a casa desse senhor, tampouco o seu nome, pois poderá parecer para você, leitor curioso, que registro essa memória por vontade de provocar a sua bisbilhotice.

Não. Apenas escrevo para quando esquecer, venha aqui para lembrar. A memória é algo maravilhoso, que ninguém se dá conta, pois a tem e não percebe. A sua ausência também é prodigiosa, é como o vento, se vai e não nos damos conta. Quem se dá conta da sua ausência são os outros, esses mortais efêmeros que são incapazes de se reconhecerem na frente do espelho.

Quatro dias trabalhando com ele, já estava adaptado. A rotina era algo fácil, bem construída e sintética. Sabia o que deveria fazer sempre. Também não vou aqui enumerar o que fazia, mas como disse, era basicamente ler para ele.

Nunca cheguei naquela casa, depois de ultrapassar aquele portão grande de ferro preto, que o senhor não estivesse vestido, de banho tomado e penteado. Inicialmente, achei aquilo estranho, sempre chegava antes das 8h, mas depois entendi ou pelo menos me convenci da minha própria resposta para uma indagação idiota.

Pensei que, se eu acordando sempre no mesmo horário, tivesse que fazer aquelas coisas que você também faz, como escovar dentes, ir ao banheiro, tomar banho, colocar roupas limpas, beliscar um pão, e entre outras coisas banais; aquele senhor também fazia as suas.

Comecei a imaginar que ele também estava trabalhando, do seu jeito; como eu, ele tinha a sua rotina e eu era um estranho em seu trabalho, um tipo de servidor juvenil que aceitou, por desconhecimento e necessidade, esse tipo de trabalho incomum ao ser interrompido em uma esquina vendo uma vitrine da livraria de Avila.  

Era isso, parece que ele sofreu um acidente doméstico, se esqueceu que era velho e correu, saltou os degraus de uma escada no escuro; e juvenil que pensara arremeteu a cabeça em uma janela e dali sentiu a dor física que é sentida por todo mundo, velho ou jovem, a dor nos une.

Depois disso, quando ele se recuperou fui convidado a estar com ele. Antes disso, achava que sabia ler, mas nunca li tanto em voz alta. Quando isso acontece diariamente você percebe que não sabe ler e que ler é mais fácil quando não precisa emitir voz. Parece que lendo, só no cérebro é mais bonito, você não fica gaguejando, as mãos não suam, você não vê os sinais de pontuação, ou vê, mas não precisa fazer entonação, você faz isso automaticamente, no cérebro. Além disso, ler em voz alta requer outras práticas e até então eu não havia pensado.

Um dia, no começo, acho que era no terceiro dia ou no quarto, quando eu já estava me adaptando a rotina, ele fez uma cara estranha para a minha leitura matutina. Gelei! Claro, não sou idiota nem nada, sei que aquela leitura estava medonha, mas eu tentava fazer o melhor, juro! Quando observei a testa dele franzir, os olhos fechar, tive que perguntar se ele estava sentido dor.

Era muito inocente para fazer aquela pergunta, a dor era a minha voz que entrava em seus ouvidos e o martirizava. Acho que ele estava tentando se acostumar, mas deve ser difícil. Imagina você, ter que ficar comigo durante um dia inteiro ouvindo eu ler para você, coisa que você devia fazer melhor que eu. Foi horrível, dentro de mim senti muitas emoções.

Dentre essas emoções, não consigo escrevê-las todas, você sabe. As suas mãos suam, você se entristece, acha incompetente, inferiorizado, essas coisas que acontece quando a gente não sabe de nada.

Parei de ler e ouvi a sua voz, mas sem olhar pra ele, estava focado no livro. Ouvi a sua voz me perguntar qual era o meu nome, respondi imediatamente ninguém. Ele também respondeu rapidamente que ninguém é alguém e continuou dizendo que eu precisava ser exposto mais ao tempo. 

Juro que não entendi nada, até hoje me pergunto que raios respondi ninguém, o que é estar exposto ao tempo, que tempo? Exposto a quê? Mas segui lendo e o tempo foi passando.

Depois de um mês, indo naquela casa todos os dias, exceto nos sábados e domingos, comecei a ficar mais curioso, mas não me atrevia a perguntar coisas. Lembro que, naquela tarde na esquina, quando me convidaram para esse trabalho, me advertiram para não fazer perguntas.

Embora seria interessante saber o motivo daquele senhor estar ali, todo dia arrumado, penteado, de banho tomado e pronto para me ouvir fosse um mistério, as perguntas, que nasciam em minha mente, eram sobre os textos que lia diariamente. 

Tinha muitas coisas ali que não sabia como eu lia. Logicamente você deve imaginar como eu lia os nomes das pessoas estrangeiras, as cidades da Inglaterra, ou alguma passagem em outro idioma. Acho que essa era a parte mais divertida do dia, pois o senhor ria e pedia para eu repetir. 

No início fiquei constrangido, mas depois pensei que era bobagem, se eu não sei como ler aquilo eu não sei, e que mal há nisso? O primeiro nome que me lembro e mais engraçado até hoje foi: Rimbaud, depois Baudelaire.

Ah, a risada dele não era de deboche, acho que era só uma diversão mesmo, talvez quando ele lia, quando era possível, nunca tinha tocado nos seus ouvidos, ou na sua mente, aquelas palavras produzidas tão diferentes.

Por isso, acho que devemos encontrar prazer nas coisas que não reparamos. Aprendi que se olharmos bem ou pedirmos que outras pessoas nos contem sobre o que estão vendo, podemos nos divertir da mesma coisa banal que vemos todos os dias ou somente franzir a testa e pedir a ela que se exponha ao tempo.

Hoje me lembrei disso, por isso escrevo, para que essa tinta (virtual) perene preserve esse rastro da minha memória ainda não esquecida.


segunda-feira, 6 de abril de 2020

O gênio do crime e as suas memórias


Nasci em meio a uma família conturbada. Tínhamos dificuldades financeiras, enquanto meu pai trabalhava na Ferrovia Paulista S/A, como garçom, minha mãe cuidava da casa alugada em que vivíamos em Uberaba. Os recursos eram escassos, assim como a comida, as roupas, o material escolar, o uniforme. Entrei no pré-primário no ano de 1991, pela insistência de minha mãe. Ela queria que eu fosse direto ao primeiro ano, pois já sabia ler, mas ainda não tinha 7 anos. Fiz o pré e no ano seguinte, a diretora me aceitou na primeira série do ensino fundamental.

São muito fragmentadas essas memórias tão longínquas. Acredito que a minha mãe me ensinava algumas palavras em casa. Lembro de ela comprar um caderno brochura de folhas amarelas para eu repassar todo o conteúdo do caderno velho ao novo. Ela dizia que a minha letra estava ilegível e que assim não poderia continuar. Lembro também dela começar a copiar o conteúdo do caderno velho ao novo, em uma atitude exemplar, e constantemente pontuar o desleixo da minha inaptidão com a escrita. Ela dizia: “Veja, é assim que se faz. Agora você irá continuar”. Acredito que devido a essa atitude e várias outras semelhantes de minha mãe fizeram com que a minha caligrafia se desenvolvesse a ponto de ouvir elogios das professoras e algumas delas adjetivarem de letra de menina. “Superei o obstáculo com a escrita”.

Foi na sexta série, em 1998, que tive a primeira experiência significativa com a leitura. Antes disso, apenas ouvia as histórias bíblicas que a minha avó nos contava, a mim e aos meus primos, e é difícil me lembrar de outras experiências de leitura no passado. No sexto ano, a professora Juliana era uma mulher magra, de cabelos loiros e soltos, de rosto fino e alegre. Ela usava jeans e camiseta, trazia consigo sempre o diário de classe azul e alguns livros. Era uma professora que conseguia fazer com que uma classe com mais de 30 crianças ficasse em silêncio para ouvir a sua história, todo o final de aula.

O que mais me chama atenção nessas memórias é o que permanece. Não é possível me lembrar das suas aulas de gramática ou interpretação de texto. Não sou capaz de dizer como ela nos dava as famosas orações subordinadas ou explicava os fenômenos linguísticos, só me lembro dela ler para todos nós.

No silêncio daquelas tardes, em que eu e meus colegas, ficávamos ouvindo sua voz passear tranquilamente por aquela sala e chegar aos nossos ouvidos. A sua maneira de iniciar um novo livro era mágica e instigante. O seu tom de voz era pausado, ela esperava pelas nossas feições, espreitava as nossas reações, e por fim, nos mostrava a capa do livro e fazia um breve resumo da história.

Uma dessas histórias, contadas nos minutos finais de cada aula de língua portuguesa, foi “O gênio do Crime” de João Carlos Marinho. A professora tinha uma maneira de contar aquela história que eu nunca tinha ouvido em nenhum lugar. As vozes das personagens, a entonação, as pausas, nos retiravam daquele ambiente, parecia que estávamos todos dentro da história. Ela não nos fazia perguntas, não cobrava para a prova, não pedia resumo nem perguntava o que havíamos entendido, apenas lia. Dessa história, uma das personagens que mais me marcou foi o Mister John, um detetive escocês. Não pelo seu carisma ou pela sua relevância durante a narrativa, mas pelo jeito com que a professora mudava a voz ao ler suas falas. Era tão diferente, bonito. Eu me perguntava como a professora lia daquela maneira, como ela conseguia.

A história era estimulante, era um crime que ia sendo desvendado por crianças como eu. Os protagonistas eram inteligentes, claro! Mas também faziam travessuras, cometiam erros e aquela história marcou a minha vida. Anos mais tarde retornei às páginas do texto do João Carlos Marinho e encontrei ali um abraço, uma revigorante sensação de carinho e de lembrança. Fiz uma leitura compartilhada com o meu sobrinho tentando fazer a mesma voz do Mister John, fracassei! Pois tentei recuperar aquela lembrança tão amável que era impossível imitar. Resolvi então deixar que o meu sobrinho lesse e foi divertido, gargalhamos juntos, contei a ele que anos antes a minha professora tinha lido essa história na escola e que naquele tempo ela fazia o melhor Mister John que eu já ouvira. “Superei o obstáculo com a leitura”.

No ensino médio comecei a escrever alguns rascunhos, dava para alguns colegas ler. Naquela época a professora pedia redação e o gênero que eu mais gostava era cartas. Não sei dizer, mas as cartas têm uma maneira atenciosa e informativa de apresentar seu conteúdo. Escrevia também histórias breves, gostava de muito de descrições, nomes diferentes. Todos esses textos se perderam, mas não a minha capacidade de recordar deles.

Mais tarde, criei um blog em que escrevia sobre desilusão amorosa. A primeira leitora desses textos era a minha irmã, depois alguns de meus amigos. A minha irmã dizia que era lindo e eu concordava, em uma contemplação juvenil e romântica achava que por meio das palavras conseguia materializar toda aquela insatisfação idealista de pesarosa dor das relações efêmeras dos apaixonados precoces.

Hoje, não mais escrevo como antes, as obrigações de leitura e de escrita são mais acadêmicas e profissionais. Percebi que ler e escrever é um hábito e é necessário cultivá-lo para melhorar. Não tenho mais uma ideia romântica de “dom” da escrita e nem acredito mais que a leitura é uma característica dos cultos. O que imagino saber é que com cuidado, atenção e orientação todos podemos ler e escrever, cada um no seu estágio rumo a um desenvolvimento particular e significativo.