Hoje, enquanto a água começa a ferver e o aroma do hibisco sobe pela cozinha, volto para Quito. Volto para dezembro, para os dias frios e úmidos, para a mesa grande ao lado da janela.
Fui ao Equador para as festas de fim de ano. Estava animado por conhecer
a família do Jordy — e também por estar num país de vulcões, céu azul recortado
de montanhas, cheiro de fruta e café. Logo no começo, tudo me pareceu estranho
e familiar ao mesmo tempo. Os pais, as tias e os tios, as primas — a família
toda — me receberam como se já me conhecessem. Era fácil estar ali. Os hábitos
se pareciam com os meus: cozinhar e conversar, rir enquanto se descasca algo, ouvir
música entre o barulho de talheres e panelas.
A cozinha sempre foi um lugar especial para mim — e ali também parecia
ser o coração da casa. Carmen, tia do Jordy, brincava com doçura diante do
fogão. Preparava pratos com uma alegria tão espontânea que era impossível não
sorrir junto. Ao lado dela, Vicky fazia bolachinhas e bolos de Natal. Eu ficava
mais de lado, com um pouco de vergonha, mas atento. Às vezes ajudava, às vezes
só olhava e ouvia.
A mãe do Jordy parecia um sol. Conduzia tudo com uma leveza firme, como
quem organiza sem impor, como quem cuida sem alarde. Comecei a chamá-la de
TAMARindo, assim, de carinho. Escrevendo assim parece literário demais, mas é
um pouco. Afinal, é uma memória vivida, porém construída aqui, a dedilhadas no
teclado do meu computador, enquanto a roupa está sendo lavada na máquina e
espero a coxa de frango assar com legumes no forno.
Voltando. Passeamos de carro, conheci o bairro, fomos ao mercadinho, ao
shopping e a um café, o Juan Valdez — uma marca colombiana que eu já conhecia e
gosto muito. As ruas do bairro não são tão diferentes das daqui. No mercado, no
shopping e também no café, há pessoas correndo, fazendo suas obrigações
dezembrinas; há crianças que falam rápido e gritos de mães. Há cachorros nas
ruas, gente nas bancas de frutas barganhando preços, muvucas natalinas e filas
gigantescas no caixa. Quando voltávamos para casa, Carmencita estava na
cozinha. Descarregávamos as compras, e eu ia até lá, ao lado dela, contar como
foi o passeio — o que vi, o que achei interessante, as músicas que ouvimos no
carro. Depois de algum tempo, eu já sabia de cor a playlist da TAMARindo.
Ali, o som das risadas na cozinha me fazia feliz. Indicava que a
felicidade é invisível mesmo, mas, assim como o vento, é sentida por todos nós.
Era como uma cócega prazerosa entre a barriga e o coração. Agora, relembro e
penso: essa é uma memória rápida, uma passagem breve, um texto curto para
tornar perene uma lembrança fugaz.
Naquele dia, o almoço ficou pronto, e todos se sentaram em seus lugares.
Eu ajudei a arrumar a mesa — de madeira escura, imensa, posicionada ao lado de
uma janela de vidro, onde a luz entrava devagarzinho. Lá, no balcão da cozinha,
estava uma jarra grande de um líquido roxo. Carmencita trouxe a bebida para a
mesa: chá de Jamaica. Um chá gelado, levemente azedinho. Bebi devagar, curioso.
E gostei. Gostei tanto que comentei como era raro, para mim, tomar chá gelado
com a comida. Aqui no Brasil, isso não é costume. Mas naquela casa, naquele
momento, tudo fazia sentido.
E hoje, ao fazer o chá de hibisco para tomar no jantar, sinto um Quito
aqui dentro. Volto ao riso, às vozes, ao sol fraco batendo no vidro. Les
extraño a todos.
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