Ele chegou suado, por correr daquela chuva torrencial.
Seus sapatos estavam molhados, grudado ao corpo, o uniforme encharcado parecia
mais uma segunda pele, mas nada parecia embaçar aquele seu sorriso. Tirou as
botinas, suas meias enlameadas e entrou em casa. Tomou banho, ajeitou o
cabelo, vestiu seu jeans, uma camiseta de manga curta vermelha e se abrigou
abaixo do guarda-chuva, para sair novamente à rua.
Naquela
noite ele estava atento a toda a iluminação pública, as janelas do bairro, ora
fechadas com cortinas enfeitadas por fitas e enfeites de pinheiro e azevinho,
ora abertas com o peitoril exibindo presépios e pequenas velas de natal,
casinhas iluminadas. Os pisca-piscas não faltavam, era de sua responsabilidade
dar o charme para aquela época do ano. Aquilo o enchia de alegria, voltou a ser
menino, era natal. Tocou a campanhia e aguardou, foi recebido com um grande
sorriso por uma senhora de cabelos grisalhos curtos, entrou pedindo licença.
-
Estou feliz por ter aceito o meu convite, Emanuel.
-
Estou feliz por ter me convidado, Clarice.
A
pequena casa estava iluminada por velas de mesa. Uma árvore de natal de um
pouco mais de um metro iluminava a sala dando um ar de achonchego e paz.
Clarice ouvia Vivaldi em uma vitrola de madeira.
-
Sente-se, fique à vontade, vou buscar uma taça de vinho para você. Enquanto
isso você poderia colocar esse disco que está sobre a mesa? Adoro as músicas
dele, é uma noite para desfrutarmos suas canções.
-
Claro!
Ele pegou o vinil
das mais lindas canções de natal, ergueu a agulha da vitrola, trocou o disco, e
começou alí jingle bells.
-
Espero que o peru esteja saboroso, - ela disse sorrindo. Testei uma nova
receita com ervas frescas, acredito que você vai gostar bastante.
Sentaram-se
a mesa e comeram. Depois do cafezinho, ele retirou os pratos, colocou-os sobre
a pia e se juntou a ela para voltarem a conversar.
- Como
foi o seu dia? Ainda tralhando no jardim da Carmen?
-
Terminei hoje, ficou muito bonito, sai de lá correndo e fui surpreendido no
caminho por aquela chuva, mas nada que um banho quente e esse convite não me
fizesse feliz novamente.
Ela
sorriu timidamente e continuou: - É evidente o seu cuidado e o seu gosto por aquilo
que você faz tão bem, com a sua ajuda eu consigo ter um jardim organizado e uma
horta sempre bem cuidada. Mas me conte, onde está a sua família?
Ele
ficou meio sem jeito com o elogio e surpreso por uma pergunta tão pessoal, mas
estava tão à vontade e respondeu tranquilamente: - Desconheço onde vivem, na
verdade não sei se tenho uma família, como todo mundo. Nasci em um orfanato e
aprendi o ofício de jardineiro lá, gosto de cuidar da terra, de fazê-la
produzir, isso me enche de alegria, trabalhar para mim é uma motivação. E você,
Clarice, tem algum motivo por viver aqui, sozinha? Onde está a sua família?
Clarice
se supreendeu com a pergunta, ergueu suas sobrancelhas, respirou e após uma
pequena pausa respondeu: - Ah, jovem! Às vezes isso acontece, as coisas mudam,
tudo que você acredita se vai e você tem que estar preparado para entender que
nada é para sempre e o que o faz continuar é a sua vontade de viver e a
sensação de produzir, de se sentir vivo. Eu vivo sozinha, mas não me sinto
solitária, pois encontrei aqui um refúgio, um recanto de paz. Admiro você pela
sua simplicidade e a maneira como você conduz a sua vida, você vai perceber que
isso é fudamental. Com o tempo você vai perceber o essencial para estar feliz
não é a sua posição social, seus bens materiais, as reuniões sociais, afinal
você encontra a felicidade diariamente, se tiver tempo para percebê-la. Estar
feliz é ter autoconhecimento, é saber o que te motiva, você será completo
quando se conhecer, quando o importante é ser e não ter.
Ele a ouvia
atentamente e quando deu meia noite, ela pediu licença, se levantou, pegou um
embrulho que estava embaixo da árvore e disse:
-
Emanuel, esse é seu presente!
Ele,
emocionado, sorriu, a abraçou e agradeceu: - Muito obrigado Clarice, sinto em
não ter nada a oferecer.
Ela
sorriu novamente, o olhou nos olhos e disse: - Querido, você me presenteia
sempre, o seu sorriso, a sua educação, seu cuidado e a sua amizade, são
presentes cotidianos, é a essência do ser, se lembra?
Os
dois sorriram juntos e aquela noite de natal foi espetacular para ambos que
fortaleceram os laços de amizade em uma noite muito propícia.
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