A construção de identidade
de um povo, entre outros constituintes, pode se dar por meio da ideia de nação,
aparado pelo espaço geográfico delimitado e a língua usada por esse povo, em
que ambos contribuem para a construção de uma identidade nacional.
Esse conceito, identidade
nacional, é muito complexo, pois nomeia e abrange diversos sentimentos de
pertencimento a um local determinado, a uma consciência coletiva, aos valores
míticos e aos valores racionais. É importante também salientar que a identidade
nacional é formada por escritores intelectuais e pela percepção histórica e
social envolta dos acontecimentos, quase sempre condicionado a uma visão, em
outras palavras, “aquilo a que chamamos identidade nacional projecta aspirações
colectivas, que se exprimem mediante narrativas históricas e crenças acerca do
valor e da diferença em relação às nações vizinhas ou próximas. ”, escreveu o
professor Nuno nos comentários de um texto meu no blog acadêmico.
Cabendo essa tentativa de
expor e tentar entender a complexidade desse conceito, retomemos,
resumidamente, alguns fatos sobre a história da colonização portuguesa em
Angola.
É sabido que os portugueses
colonizaram Angola a partir do século XV tendo esse povo vivido desde então o
processo desumano, cruel, escravocrata e exploratório por 5 séculos, ou seja,
apenas em 1975, quando Agostinho Neto proclama a independência, Angola se
converte em um país independente.
Também é notório evidenciar sobre
a problemática divisão do continente africano, em que muitos estados tiveram
suas fronteiras postas sem qualquer preocupação com as pessoas que ali viviam,
é dizer que foram submetidas a uma divisão territorial sem dar importância em
como o povo se organizavam politicamente.
Tendo por base essas
informações é possível entender melhor a poesia de Agostinho Neto (1922 – 1979)
e de Viriato Cruz (1928 – 1973), ambos poetas angolanos que viveram pouco, 57
anos e 45 anos respectivamente, e que sofreram, como o seu povo, a imposição
linguística, cultural e territorial de uma nação colonizadora e opressora.
Assim os poemas: “Mamã negra
(Canto de esperança) ”, de Viriato Cruz, e “Adeus à hora da largada”, de
Agostinho Neto possuem em si um apelo à liberdade e a humanidade desta
população negra escravizada, privada de sua liberdade, encarcerada por suas
ideias libertárias, marcada por guerras internas e externas, vítimas da fome e
da sede, subjugada por uma supremacia racial vergonhosa e imoral que massacrou
um continente inteiro negando-o a luz e a esperança.
Pode-se extrair a partir do
título do poema, “Mamã negra (canto de esperança) ”, quatro elementos
fundamentais para a atribuição de sentido deste: “Mamã”, relativo à mãe,
princípio de nascença, ideia concebida como forma de natureza geradora de um
determinado povo; “negra”, característica de um povo, não necessariamente definido
por fronteiras territoriais; “canto” ideia de som, musicalidade e por fim
“esperança”, sentimento motivador que está contido nessa manifestação
artística.
Assim como no primeiro
poema, Agostinho Neto em “Adeus à hora da largada” também irá remeter a ideia
simbólica de “mãe” em seu poema para também referir-se a África, “todas as mães
negras cujos filhos partiram”. É interessante perceber que neste poema não se
espera a “mítica esperança”, pois devido a todas as suas experiências de vida,
cabe ao eu poético não mais esperar e sim perseguir, no sentido de buscar,
alcançar esse desejo, valendo da afirmativa: “Eu já não espero / sou aquele por
quem se espera”. Tal coragem e determinação revela a autenticidade e a clareza
das ações do eu poético que contribuirá para o desenvolvimento desse povo.
“Entoaremos hinos à liberdade / quando comemorarmos / a data da abolição desta
escravatura”, é dizer que todos os filhos da África irão em busca de “luz”,
“vão em busca de vida”.
Para discutir com mais
clareza a presença do pan-africanismo é pertinente retomar a ideia de “mãe”, de
natureza simbólica registrada e evidenciada em ambos poemas, que de acordo com
Santos (2007, p. 27): “Essa Mãe era, ao mesmo tempo, mulher e terra,
configurada nos mesmos padrões das Grandes Mães neolíticas, deusas da
fertilidade e da fecundidade, e representava, no contexto angolano (e
africano), a mãe negra biológica, a nação angolana e o continente africano,
numa perspectiva pan-africanista que concebia a África como a progenitora da
raça negra e também a terra prometida de um povo em diáspora”.
Outro elemento marcante nos
dois poemas são as vozes que ressoam em seus versos: “a esperança somos nós /
os teus filhos”, “abandonados ao ritmo dum batuque de morte / teus filhos”,
vozes estas representativas de um povo marcado pela opressão: “Vozes dos
engenhos dos bangüês das tongas dos eitos das pampas das minas! ”, “Vozes de
toda América! Vozes de toda África!/ Voz de todas as vozes”, portanto são filhos
“que trazem
a presença negra para criar um diálogo de esperança. E, nenhuma dessas vozes
tem mais importância que a outra, pois cada uma delas é um enunciado que dialoga
com outro para criar o canto uníssono da humanidade”. (CÍRIACO, 2013, p. 2). Para
Santos (2007, p. 28): “em Angola, o canto à Mãe-África tornou-se então um grito
de afirmação da identidade angolana (angolanidade) e africana (africanidade), resgatando
o elemento ancestral africano acobertado pela assimilação cultural européia
promovida pelo colonialismo, o que resultou no (re)nascimento do sonho, da
esperança e da certeza de um amanhecer livre das amarras do sistema colonial
português”.
Para
conclusão desta breve exposição feita, cabe aqui também alargar a referenciação
dessas questões essenciais a poesia angolana à luz de outros poemas de
Agostinho Neto que reforçam as ideias discutidas.
Em
“Sagrada Esperança”, título muito propício para a tentativa de liberdade e
humanidade buscada pelo povo africano podemos observar a remissão da
musicalidade, do canto, da luta, do sofrimento, nos versos de “Sinfonias”: “A
melodia crepitante das palmeiras”, “E a música dos homens / lambidos pelo fogo
das batalhas inglórias”, “a luta gloriosa do povo”, “A música / que a minha
alma sente”.
Também
é possível identificar em “Confiança” os versos que retratam a retirada de pessoas
de seu lugar de origem e transladados a outra parte do globo a fim de exploração,
maltratados, violentados, construtores de um novo mundo, que esquecidos carecem
de o mais essencial, o alimento: “O oceano separou-me de mim / enquanto me fui
esquecendo nos séculos”, “Enquanto o sorriso brilhava / no canto de dor / e as
mãos construíram mundos maravilhosos”, “As minhas mãos colocaram pedras / nos
alicerces do mundo /mereço o meu pedaço de pão”.
Por
fim no poema: “Não me peças sorrisos” trata-se da condição servil daqueles que
estando em condições precárias e em constante sofrimento, sem glória, sem
sorrisos, constroem arduamente um mundo habitado pela violência e escravidão:
“Não me exijas glórias / que sou eu o soldado desconhecido".
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