O
presente ensaio tem por objetivo abordar o lugar e a representação da infância
e da memória na lírica de Manuel Bandeira, mostrando como esse tema se
apresenta como uma possibilidade de recuperação de plenitude, porém falha em
seu intento, embora seja, o esforço, vigoroso, é irrecuperável. É dizer: essa
experiência literária como tentativa de superação humana.
Para esse objetivo foram selecionados treze poemas,
dentre as obras do poeta, em uma perspectiva cronológica (1924 – 1960) e em
seguida realizado um breve diálogo entre eles. Portanto temos, a seguir, a
coletânea dos seguintes poemas: “Balõezinhos”, “Minha Terra” e “Na Rua do Sabão”,
do livro: “O Ritmo Dissoluto” publicado em 1924; “Porquinho-da-Índia” e
“Profundamente” de “Libertinagem”, 1930; “Trem de Ferro” de “Estrela da Manhã”,
1936; “Versos de Natal” de “Lira dos Cinquent’anos”, 1940; “Infância”, de “Belo
Belo”, 1948; “Elegia de Verão”, “Natal sem Sinos”, e “Tema e Variações” do
“Opus 10”, 1952; e por fim “A onda” e “Recife” de “Estrela da Tarde”, 1960.
Iniciamos o propósito desse ensaio apresentando
primeiramente o poema “Balõezinhos” em que o lugar: “Na feira livre do arrebaldezinho”
(BANDEIRA, 1993, p. 120) traz a representação da infância e da memória por meio
da lírica do poeta. Nesse poema é possível também observar como esse espaço e
seus personagens atuam na criação de uma cena prosaica cotidiana, em que a
memória aliada à infância recria uma atmosfera lúdica e pueril. Ainda sob uma
perspectiva infantil, tendo aqui apenas um único propósito de valoração, “[os
meninos pobres] sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor
são a única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável” (BANDEIRA, 1993,
p. 121), pois o que é importante, essencial, necessário para a criança ainda é
o sonho, o desejo, a brincadeira.
Também
é possível observar o lugar, no poema “Minha Terra”, como memória de um passado
já distante: “Saí menino de minha terra / Passei trinta anos longe dela”
(BANDEIRA, 1993, p. 201) em que a revisitação traz uma realidade incômoda e
frustrante para o sujeito poético em que esbraveja ao discordar com a
adjetivação que dão ao seu Recife, “É hoje uma bonita cidade. / Diabo leve quem
pôs bonita a minha terra! ”. (BANDEIRA, 1993, p.201).
Podemos
encontrar também em “Na rua do sabão” esse sentimento de recuperação de
plenitude por meio das imagens infantis que povoam todo o poema. Iniciado a
partir de uma alusão a um refrão popular, essa retomada instala uma identidade
da primeira infância no poema em que permite uma viagem no tempo. Há também
outros elementos que podem representar a infância ao longo do poema como a
gritaria maldosa da molecada na rua e a vontade que as crianças tinham em que
caísse o balão. Assim como neste e em outros poemas é possível associar a
leitura biográfica do poeta com a manifestação do eu lírico, especialmente
aqui, ao relatar quem fez o balãozinho de papel foi o filho da lavadeira, “um
que trabalha na composição do jornal e tosse muito” (BANDEIRA, 1993, p. 119),
faz com que o leitor se aproprie dessa aproximação em uma possível leitura.
“Porquinho-da-Índia”
e “Profundamente, publicados em 1930 no livro “Libertinagem”, também retomam a
ternura que o eu lírico imprime em seus versos. O primeiro nos apoia em uma
interpretação das primeiras experiências, da criança de seis anos ao amar seu
animalzinho de estimação e tê-lo como a sua primeira namorada, e ainda das
primeiras frustrações, de não ser correspondido: “não fazia caso nenhum das
minhas ternurinhas...” (BANDEIRA, 1993, p. 130). O segundo remete a um lugar
festivo em que o sujeito poético é impossibilitado de acompanhar, tal lugar é
alegre e iluminado, há cantos e risos. “Quando eu tinha seis anos / não pude
ver o fim da festa de São João” (BANDEIRA, 1993, p. 139). Esse poema pode levar
o leitor a dois núcleos temporais, um passado: da infância, da festa; e um
presente: em que o eu lírico relembra saudosamente aquele tempo. Ambos núcleos
há o sono, porém com sentidos diferentes, enquanto na primeira parte do poema o
sono é associado ao seu sentido literal, de adormecer: “estavam todos
dormindo”, a segunda parte o sono está associado a morte: “estão todos
dormindo”.
“Trem
de Ferro” publicado no livro “Estrela da Tarde” de 1960, também representa essa
infância recuperada por meio da poesia de Manuel Bandeira. O ritmo do poema
alude ao ritmo do trem, esse caráter lúdico alinhado a sua musicalidade pode
ser um exemplo de uma busca da criança dentro de cada um, em que
independentemente da idade, nos leva pela velocidade e balanço das linhas.
“Versos
de Natal”, poema publicado no livro “Lira dos Cinquent’anos” de 1940, nos pode
revelar a ideia do “menino que não quer morrer” (BANDEIRA, 1993, p. 171), esse
menino, que agora não tão menino assim, devido a implacável ação do tempo,
“pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta [na véspera do Natal]”
(BANDEIRA, 1993, p. 171).
“Infância”,
de “Belo Belo”, publicado em 1948 traz diversos lugares de uma infância
rememorada. Inicialmente Petrópolis e aspectos como uma corrida de ciclistas,
um bambual debruçado no rio e brinquedos pelo chão trazem ao leitor um cenário
simples em que o sujeito poético se rende a impossibilidade de “romper os ruços
definitivos do tempo” (BANDEIRA, 1993, p. 208). Ainda nesse poema há outros
lugares, como a casa de São Paulo, a praia de Santos, Petrópolis novamente,
Pernambuco, a casa da Rua União, que criam essa atmosfera nostálgica e saudosa.
Este poema também é possível associar as suas enumerações de lugares, de
feitos, de lembranças a uma leitura biográfica encerrada com o quarteto: “Com
dez anos vim para o Rio. / Conhecia a vida em suas verdades essenciais. /
Estava maduro para o sofrimento / E para a poesia! ” (BANDEIRA, 1993, p. 209).
Em
“Opus 10”, livro publicado em 1952 em que os poemas: “Elegia de Verão”, “Natal
sem Sinos”, “Retrato” e “Tema e Variações” são outros exemplos do tema aqui
explorado. As citações a seguir reforçam essa natureza do eu poético em
estabelecer vínculo a suas memórias, porém sabe que tudo mudou, ou seja, nada é
hoje como era antes: “Zinem as cigarras: zino, zino, zino... / Como se fossem
as mesmas / Que eu ouvi menino”; “Ó verões de antigamente! ”; “Não são as
mesmas que eu ouvi menino”; “Deem-me as cigarras que eu ouvi menino”.
(BANDEIRA, 1993, p. 215). “Natal sem
Sinos” volta a uma infância desde o lugar do presente, a observação através do
prisma da memória continua sendo nostálgica. Os sinos, do passado, podem ser
associados ao barulho das crianças: “Ah meninos sinos / De quando eu menino! ”
(BANDEIRA, 1993, p. 220) em que na altura o sujeito poético já não mais o
encontra: “A noite é sem silêncio e no entanto onde os sinos [presente] do meu
Natal sem sinos [passado]” (BANDEIRA, 1993, p. 220). “Tema e Variações” é um
outro poema desse livro que alude a ideia de tempo passado, mas agora não é
explícito a marca da infância, porém se pode sugerir que a infância, por ser
tão cara e rememorada de maneira terna e saudosa pode ser também um dos
possíveis ideais de sonho. Porém ao despertar para se deparar com a realidade,
o sentimento experimentado é triste, é pranto. Podemos inferir que “Ter estado”
(BANDEIRA, 1993, p. 215) menino é motivo de sonho agora e que a única realidade
possível é chorar de repente ao despertar e concluir que tivera sonhado.
Por
fim os poemas: “A onda” e “Recife” de “Estrela da Tarde”, 1960 finalizam a
tentativa de abordar o lugar e a representação da infância e da memória na
lírica de Manuel Bandeira. O poema “A onda” é composto por 10 versos curtos; em
um caráter lúdico mistura as palavras “onda”, “aonde, “anda” e “ainda”
(BANDEIRA, 1993, p. 267) em um jogo de sons convertendo-as em ritmo e
movimento. “Recife” é o poema que irá recordar o passado, a infância, a partir
do presente, traz a perspectiva de desculpa ou justificativa nos primeiros
versos, segue na seguinte estrofe o sentimento de saudade e perpétuo lembrar. O
eu poético também esclarece que sua saudade é sentida, porém uma saudade do
“Recife de antes” como nos diz na terceira estrofe: “Não como és hoje, / Mas
como eras na minha infância, / Quando as crianças brincavam no meio da rua”
(BANDEIRA, 1993, p. 249). Seguidamente vai pontuando o lugar do passado e se
questiona sobre os personagens de outrora e por fim reflete para que servem
estátuas, e uma possível eternização por meio de um busto, para o eu poético
“se possível, / Um cantinho no céu” (BANDEIRA, 1993, p. 249).
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