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domingo, 22 de setembro de 2019

Lugar e representação da infância e da memória na lírica de Manuel Bandeira


O presente ensaio tem por objetivo abordar o lugar e a representação da infância e da memória na lírica de Manuel Bandeira, mostrando como esse tema se apresenta como uma possibilidade de recuperação de plenitude, porém falha em seu intento, embora seja, o esforço, vigoroso, é irrecuperável. É dizer: essa experiência literária como tentativa de superação humana.
            Para esse objetivo foram selecionados treze poemas, dentre as obras do poeta, em uma perspectiva cronológica (1924 – 1960) e em seguida realizado um breve diálogo entre eles. Portanto temos, a seguir, a coletânea dos seguintes poemas: “Balõezinhos”, “Minha Terra” e “Na Rua do Sabão”, do livro: “O Ritmo Dissoluto” publicado em 1924; “Porquinho-da-Índia” e “Profundamente” de “Libertinagem”, 1930; “Trem de Ferro” de “Estrela da Manhã”, 1936; “Versos de Natal” de “Lira dos Cinquent’anos”, 1940; “Infância”, de “Belo Belo”, 1948; “Elegia de Verão”, “Natal sem Sinos”, e “Tema e Variações” do “Opus 10”, 1952; e por fim “A onda” e “Recife” de “Estrela da Tarde”, 1960.
            Iniciamos o propósito desse ensaio apresentando primeiramente o poema “Balõezinhos” em que o lugar: “Na feira livre do arrebaldezinho” (BANDEIRA, 1993, p. 120) traz a representação da infância e da memória por meio da lírica do poeta. Nesse poema é possível também observar como esse espaço e seus personagens atuam na criação de uma cena prosaica cotidiana, em que a memória aliada à infância recria uma atmosfera lúdica e pueril. Ainda sob uma perspectiva infantil, tendo aqui apenas um único propósito de valoração, “[os meninos pobres] sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável” (BANDEIRA, 1993, p. 121), pois o que é importante, essencial, necessário para a criança ainda é o sonho, o desejo, a brincadeira.
Também é possível observar o lugar, no poema “Minha Terra”, como memória de um passado já distante: “Saí menino de minha terra / Passei trinta anos longe dela” (BANDEIRA, 1993, p. 201) em que a revisitação traz uma realidade incômoda e frustrante para o sujeito poético em que esbraveja ao discordar com a adjetivação que dão ao seu Recife, “É hoje uma bonita cidade. / Diabo leve quem pôs bonita a minha terra! ”. (BANDEIRA, 1993, p.201).
Podemos encontrar também em “Na rua do sabão” esse sentimento de recuperação de plenitude por meio das imagens infantis que povoam todo o poema. Iniciado a partir de uma alusão a um refrão popular, essa retomada instala uma identidade da primeira infância no poema em que permite uma viagem no tempo. Há também outros elementos que podem representar a infância ao longo do poema como a gritaria maldosa da molecada na rua e a vontade que as crianças tinham em que caísse o balão. Assim como neste e em outros poemas é possível associar a leitura biográfica do poeta com a manifestação do eu lírico, especialmente aqui, ao relatar quem fez o balãozinho de papel foi o filho da lavadeira, “um que trabalha na composição do jornal e tosse muito” (BANDEIRA, 1993, p. 119), faz com que o leitor se aproprie dessa aproximação em uma possível leitura.
“Porquinho-da-Índia” e “Profundamente, publicados em 1930 no livro “Libertinagem”, também retomam a ternura que o eu lírico imprime em seus versos. O primeiro nos apoia em uma interpretação das primeiras experiências, da criança de seis anos ao amar seu animalzinho de estimação e tê-lo como a sua primeira namorada, e ainda das primeiras frustrações, de não ser correspondido: “não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...” (BANDEIRA, 1993, p. 130). O segundo remete a um lugar festivo em que o sujeito poético é impossibilitado de acompanhar, tal lugar é alegre e iluminado, há cantos e risos. “Quando eu tinha seis anos / não pude ver o fim da festa de São João” (BANDEIRA, 1993, p. 139). Esse poema pode levar o leitor a dois núcleos temporais, um passado: da infância, da festa; e um presente: em que o eu lírico relembra saudosamente aquele tempo. Ambos núcleos há o sono, porém com sentidos diferentes, enquanto na primeira parte do poema o sono é associado ao seu sentido literal, de adormecer: “estavam todos dormindo”, a segunda parte o sono está associado a morte: “estão todos dormindo”. 
“Trem de Ferro” publicado no livro “Estrela da Tarde” de 1960, também representa essa infância recuperada por meio da poesia de Manuel Bandeira. O ritmo do poema alude ao ritmo do trem, esse caráter lúdico alinhado a sua musicalidade pode ser um exemplo de uma busca da criança dentro de cada um, em que independentemente da idade, nos leva pela velocidade e balanço das linhas.
“Versos de Natal”, poema publicado no livro “Lira dos Cinquent’anos” de 1940, nos pode revelar a ideia do “menino que não quer morrer” (BANDEIRA, 1993, p. 171), esse menino, que agora não tão menino assim, devido a implacável ação do tempo, “pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta [na véspera do Natal]” (BANDEIRA, 1993, p. 171).
“Infância”, de “Belo Belo”, publicado em 1948 traz diversos lugares de uma infância rememorada. Inicialmente Petrópolis e aspectos como uma corrida de ciclistas, um bambual debruçado no rio e brinquedos pelo chão trazem ao leitor um cenário simples em que o sujeito poético se rende a impossibilidade de “romper os ruços definitivos do tempo” (BANDEIRA, 1993, p. 208). Ainda nesse poema há outros lugares, como a casa de São Paulo, a praia de Santos, Petrópolis novamente, Pernambuco, a casa da Rua União, que criam essa atmosfera nostálgica e saudosa. Este poema também é possível associar as suas enumerações de lugares, de feitos, de lembranças a uma leitura biográfica encerrada com o quarteto: “Com dez anos vim para o Rio. / Conhecia a vida em suas verdades essenciais. / Estava maduro para o sofrimento / E para a poesia! ” (BANDEIRA, 1993, p. 209).
Em “Opus 10”, livro publicado em 1952 em que os poemas: “Elegia de Verão”, “Natal sem Sinos”, “Retrato” e “Tema e Variações” são outros exemplos do tema aqui explorado. As citações a seguir reforçam essa natureza do eu poético em estabelecer vínculo a suas memórias, porém sabe que tudo mudou, ou seja, nada é hoje como era antes: “Zinem as cigarras: zino, zino, zino... / Como se fossem as mesmas / Que eu ouvi menino”; “Ó verões de antigamente! ”; “Não são as mesmas que eu ouvi menino”; “Deem-me as cigarras que eu ouvi menino”. (BANDEIRA, 1993, p. 215).  “Natal sem Sinos” volta a uma infância desde o lugar do presente, a observação através do prisma da memória continua sendo nostálgica. Os sinos, do passado, podem ser associados ao barulho das crianças: “Ah meninos sinos / De quando eu menino! ” (BANDEIRA, 1993, p. 220) em que na altura o sujeito poético já não mais o encontra: “A noite é sem silêncio e no entanto onde os sinos [presente] do meu Natal sem sinos [passado]” (BANDEIRA, 1993, p. 220). “Tema e Variações” é um outro poema desse livro que alude a ideia de tempo passado, mas agora não é explícito a marca da infância, porém se pode sugerir que a infância, por ser tão cara e rememorada de maneira terna e saudosa pode ser também um dos possíveis ideais de sonho. Porém ao despertar para se deparar com a realidade, o sentimento experimentado é triste, é pranto. Podemos inferir que “Ter estado” (BANDEIRA, 1993, p. 215) menino é motivo de sonho agora e que a única realidade possível é chorar de repente ao despertar e concluir que tivera sonhado.
Por fim os poemas: “A onda” e “Recife” de “Estrela da Tarde”, 1960 finalizam a tentativa de abordar o lugar e a representação da infância e da memória na lírica de Manuel Bandeira. O poema “A onda” é composto por 10 versos curtos; em um caráter lúdico mistura as palavras “onda”, “aonde, “anda” e “ainda” (BANDEIRA, 1993, p. 267) em um jogo de sons convertendo-as em ritmo e movimento. “Recife” é o poema que irá recordar o passado, a infância, a partir do presente, traz a perspectiva de desculpa ou justificativa nos primeiros versos, segue na seguinte estrofe o sentimento de saudade e perpétuo lembrar. O eu poético também esclarece que sua saudade é sentida, porém uma saudade do “Recife de antes” como nos diz na terceira estrofe: “Não como és hoje, / Mas como eras na minha infância, / Quando as crianças brincavam no meio da rua” (BANDEIRA, 1993, p. 249). Seguidamente vai pontuando o lugar do passado e se questiona sobre os personagens de outrora e por fim reflete para que servem estátuas, e uma possível eternização por meio de um busto, para o eu poético “se possível, / Um cantinho no céu” (BANDEIRA, 1993, p. 249).

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